A Festa das Velas Votivas em Bagé - VII

Cláudio Antunes Boucinha
[ Licenciado em História (UFSM). Mestre em História do Brasil (PUCRS)]
A Descrição da Festa


O Boletim  “24 de Maio”, órgão  da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, Bagé, 9 de maio  de 1943, já previa no programa geral da festa no dia 23 de maio  de 1943, à noite, “iluminação  das fachadas das casas, em homenagem a Nossa Senhora”.
Para o dia 24 de maio de 1943 estava prevista  uma “colossal procissão luminosa”, “cortejo cívico religioso, comemorando a Batalha de Tuiuti, e a festa litúrgica  da Virgem de Dom Bosco” ( Boletim 24 de Maio, Bagé, 9 de maio de 1943, p. 2).

O Livro de Crônica  de 1943, do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, anotava para o dia 23 de maio de 1943, o seguinte: “ À tarde, pelas 15:30, saiu  a procissão”. Tal afirmação precisaria ser contextualizada, visto que a maioria dos relatos sobre a festa apontavam o turno da noite como momento da procissão luminosa, em Bagé.
Iluminação das Casas no dia 23 à Noite, e 24

“Iluminação das casas no dia 23 à noite, e 24” era o que estava previsto no programa da festa, no Boletim 24 de Maio, Bagé, 9 de maio de 1943. A ideia de haver festas semelhantes em outras cidade do país e o uso de “lanternas venezianas”, era colocado desde o início da proposta:

“Como demostração prática da devoção do povo católico de Bagé à Virgem Mãe de Deus, vamos dar uma ideia  muito original que se costuma praticar em outros lugares do Brasil. Pedimos a todos os moradores que iluminem  a fachada de suas casas, a começar de 19:30 horas do dia 23, a um sinal dado pelos sinos da nossa torre. Esta iluminação pode ser feita com ao menos uma luz  em cada janela. As luzes podem  se de vela, azeite, que se acomoda dentro de algum copinho ou coisa semelhante. Lanternas venezianas servem também. Qual o motivo? Primeiro - um ar de festa, de boa vontade, de alegria! E há de ser belo o efeito na cidade! Segundo, como um EX-VOTO [ "Ex-voto – Wikipédia, a enciclopédia livre." 2006. 22 May. 2015 <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ex-voto>] a Nossa Senhora! Quem não tem algo a agradecer ou a pedir à Virgem Maria? E esta demostração pública de piedade e devoção há de ser motivo de proteção mais decidida  da Virgem Auxiliadora dos Cristãos. Aqui está lançada  a ideia! Deixamo-la por conta  das nossas queridas associações  religiosas e do povo devoto  de Nossa Senhora  para que a propaguem”(p.2).

“Aos Amigos Moradores  da Rua Tupy Silveira  e Praça Rio Branco”


O Boletim “24 de Maio” pedia  o seguinte, para os moradores dessas ruas:

“Rogamos  também iluminar  com copinhos, a hora  da passagem  do cortejo cívico religioso do dia 24(?) à noite, às 19 horas. Será um ato de devoção, ou delicadeza, ou estética, ou amizade, que desde já agradecemos”. (Bagé, 9 de maio de 1943).

“No Dia 23 de Maio de 1943”

Lâmpada Votiva do Lar em Homenagem a Nossa Senhora

O Boletim “24 de Maio”, do dia 23 de maio de 1943, comentava o seguinte, sobre a lâmpada votiva:

“Os devotos de Nossa Senhora hoje [ Dia 23 de maio de 1943] às 19:30 h vão iluminar as janelas das suas casas, em homenagem a ela, e como uma prece votiva que lhe fazem. Não é uma demostração de força – mas uma singela e espontânea manifestação cristã do amor a Virgem S. S.; certamente que ela há de abençoar este gesto tão mimoso! É a lâmpada votiva do lar cristão: e Nossa Senhora há de derramar muitas graças sobre todos aqueles que lhe prestarem este obséquio”(p. 2).

Notava-se a intenção de unir forças, e não de dividir; tal gesto lembrava atos de grande estadista, procurando a compreensão das outras igrejas e credos. Daí decorre o mimo, o carinho, a afetuosidade, o engrandecimento da alma. Notava-se também a acentuação do ato particular de cada um, de cada casa, de cada família, alumiando a cidade.

Em nota do Boletim “24 de Maio” havia o seguinte esclarecimento:

“Para orientação dos fiéis avisamos que esta iluminação fica a critério de cada um. O meio mais fácil é colocar um pedaço de vela num copo ou recipiente de vidro e nada mais. O período será de 7:30 da noite às 8:30 mais ou menos, ficando igualmente este tempo ao critério de cada um” (Bagé, 23 de maio de 1943, p. 2).


Grandiosa Manifestação de Fé Católica:
Imponente Cortejo Cívico-Religioso

O Boletim “24 de Maio” citava o jornal Correio do Sul, de 2(?) de maio de 1943, como relato de festa ocorrida em 23 de maio de 1943. Notava-se o percurso da procissão em direção ao norte da cidade:

“Conforme estava anunciado, realizou-se anteontem à noite (o jornal Correio do Sul deve ser o do dia 25 de maio de 1943, por essa indicação, “anteontem”, do próprio jornal), (…) o préstito luminoso, (…). Esta solenidade cívica-religiosa despertou o máximo interesse por parte da nossa população, que, na sua quase totalidade ali estava representada nas milhares de pessoas de todas as classes sociais, que tomaram parte no imponente cortejo. (…) Através da Av. Tupy Silveira, todas as casas se apresentavam luminada até as proximidades do Orfanato Bidart [ “Antigo orfanato Bidart. O prédio onde funcionou por longos anos o orfanato Bidart, depois transformado em fundação Bidart de Educação. A assistência foi inaugurada em 24 de dezembro de 1938(?)”. Mario Lopes. http://www.jornalfolhadosul.com.br/noticia/2012/12/22/inauguracao-de-candiota-i  . Conforme o Correio da Manhã, a instituição foi fundada em 1936, pelo casal Martim e Manoela Bidart, 1º Caderno. Sábado, Rio de Janeiro, 27 de maio de 1961, p. 3; Correio da Manhã - 1960 a 1969 - PR_SPR_00130_089842   . http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_07&pagfis=18895&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader#  . “VOLTANDO à pesquisa, Luiz Miguel [Luiz Miguel Saes Moraes, ex-aluno da escola municipal Fundação Bidart] procurou a pesquisadora Élida Garcia para conhecer melhor o percurso da Fundação Bidart desde a fundação em 29 de novembro de 1936. Há dados curiosos, por exemplo, a reunião de fundação ocorreu na sede da Associação Comercial e Industrial de Bagé. O desejo do casal Martin Bidart e Manoela era que parte de seu patrimônio servisse para criar um orfanato exclusivo para meninas”. http://www.alternet.com.br/portal/2014/06/28/aplausos-251/  ], onde, como um rio luminoso, as associações religiosas femininas e as senhoras católicas aguardavam, com suas lanternas acesas, a chegada do préstito para incorporarem-se a ele. (..) Através da Av. Tupy Silveira até a Praça Rio Branco, desfilou o imponente préstito luminoso, que constituiu um espetáculo inédito para a nossa cidade. (…) 15 mil pessoas” (CORREIO DO SUL, 25 de maio de 1943, citado pelo Boletim 24 de Maio, Bagé, 6 de junho de 1943, pp. 1-2).

O jornal Correio do Sul também relatava o seguinte, sobre os acontecimentos do dia 23 de maio de 1943, especificamente sobre a fachada da Matriz de Nossa Senhora Auxiliadora:

“Às 19:30 horas, ao bimbalhar dos sinos da Matriz de N. S. Auxiliadora, cuja fachada se apresentava toda iluminada à velas, acenderam-se as lanternas da grande multidão de [...] que estacionava na frente da Matriz”. (CORREIO DO SUL, 25 de maio de 1943, citado por Boletim 24 de Maio, Bagé, 6 de junho de 1943, p. 2).


Mas não era somente a fachada da Matriz que estava iluminada:

“Desde às 18:30, toda a fachada da Matriz de N. S. Auxiliadora e do Colégio estavam profusamente iluminados por lâmpadas multicores! O efeito era magnífico”. ( Boletim 24 de Maio, Bagé, 6 de junho de 1943, p. 2).


Bagé, a Lourdes da Fronteira

Transparecia a dimensão alcançada pela festa no Município de Bagé, comparada a cidade francesa “Lourdes”, em termos de devoção, além de antecipação de uma das fontes de inspiração que marcaria para sempre a festa das velas votivas, a fonte do ecumenismo. As aparições de Nossa Senhora de Lourdes330px-Grotte_miraculeuse_à_Lourdes_Charles_Mercereau.jpg[http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/47/Grotte_miraculeuse_%C3%A0_Lourdes_Charles_Mercereau.jpg/330px-Grotte_miraculeuse_%C3%A0_Lourdes_Charles_Mercereau.jpg . Bernadette devant la grotte de Massabielle, le 11 février 1858. Gravure de Charles Mercereau] eram relembradas como exemplo a ser seguido:

“Mas a prova real de devoção patente ou instintiva que domina todos os corações bageenses para com Nossa Senhora, foi dada com a 'Lâmpada Votiva do Lar'! Dia 23(05/1943), às 19:30(h), como que se incendiou a cidade toda num espetáculo inédito de piedade e ternura cristã e de esperança em Maria S. S.! Pessoas de todas as categorias sociais e de todos os credos! Agremiações, sociedades, clubes e hotéis! E principalmente, o povo! O bom povo que ama a Nossa Senhora! O povo que sofre, o povo que espera, o povo que confia! E Maria S. S. Há de proteger, por força a este povo, a esta generosa cidade que pela sua devoção à Virgem merece ser chamada: a Lourdes da FronteiraVirgendeLourdes-2.JPG[http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fc/VirgendeLourdes-2.JPG .Notre-Dame de Lourdes par Joseph-Hugues Fabisch, 1864. http://fr.wikipedia.org/wiki/Apparitions_de_Lourdes]!”. (Boletim 24 de Maio, Bagé, 30 de maio de 1943).


O ecumenismo, a arte, a estética, a beleza como fundamentos da festa:

A Lâmpada Votiva do Lar. Pela noite, a cidade  apresentou aspecto místico e singular. Bagé que está sofrendo do ‘blackout’[ "Blackout - Wikipedia, the free encyclopedia." 2003. 27 May. 2015 <http://en.wikipedia.org/wiki/Blackout>] nas ruas viu-se  nessa noite  fantasticamente iluminada! Quase todas  as casas  tinham a sua lâmpada votiva! Pessoas  de todos os credos! Casas  houve em que a iluminação foi feita com toda a arte! Ganhou  a primazia  o Ginásio Espírito Santo com todas as suas janelas reverberando  de múltiplas cores, e em todas elas, Irmãs  e as alunas cantando e rezando! Espetáculo comovente e inesquecível! Por isso é que depois dessas provas todas de amor para com a Virgem Santíssima e da piedade sincera do povo, a gente tem que gritar: Viva Bagé, a cidade de Nossa Senhora! Viva Bagé, a Lourdes da Fronteira!”. (Boletim 24 de Maio, Bagé, 30 de maio de 1943, p. 2).


Em 1943, a história de devoção em Lourdes, através do cinema, ganhou popularidade:

“Em 1943, a história se tornou a base do filme A Canção de Bernadette. Jennifer Jones interpretou Bernadete, enquanto Linda Darnell retratou a Virgem Maria. O filme ganhou vários prêmios da Academia, incluindo um Oscar de Melhor Atriz por Jones. Na primeira cerimônia dos Globos de Ouro em 1944, Jones recebeu o prêmio de melhor atriz e o filme ganhou o Melhor Filme”. [ http://pt.wikipedia.org/wiki/Nossa_Senhora_de_Lourdes ] 

The Song of Bernadette (no Brasil e em Portugal, A Canção de Bernadette) [ https://youtu.be/u41GJhPi8EI] é um filme norte-americano de 1943, do gênero drama biográfico, dirigido por Henry King, estrelado por Jennifer Jones e Linda Darnell e baseado no romance de Franz Werfel. [ http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Can%C3%A7%C3%A3o_de_Bernadette ]


Em 1958, a Câmara Municipal de Vereadores decretou Nossa Senhora Auxiliadora como padroeira de Bagé:


“DECRETO LEGISLATIVO Nº 068, DE 02/06/1958
Além do Padroeiro tradicional de Bagé, SÃO SEBASTIÃO, declara Padroeira da Cidade NOSSA SENHORA AUXILIADORA.

PALMOR PÔRTO BRIGNOL, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Bagé, em exercício.
FAÇO SABER que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono e promulgo o seguinte Decreto Legislativo:

Art. 1º Além de SÃO SEBASTIÃO, tradicional Padroeiro da Cidade, fica considerada, também, Padroeira de Bagé NOSSA SENHORA AUXILIADORA.
Art. 2º Fica declarado dia santo municipal, o dia 24 (vinte e quatro) de maio, da festa litúrgica de Nossa Senhora Auxiliadora, e considerado "ponto facultativo" e feriado escolar.
Art. 3º Este Decreto Legislativo entrará em vigor na data de sua promulgação.
Gabinete da Presidência da Câmara Municipal de Vereadores de Bagé, 2 de junho de 1.958”.[ http://www.camvbage.rs.gov.br/ ]

Conclusão


Ao que parece, a festa das velas votivas em Bagé nunca foi um objeto de estudo a não ser a partir  de 1979. Ainda será preciso um estudo aprofundado sobre o caso. O acento que se quer dar como uma festa cívico-religiosa não contempla todas as possibilidades estéticas da festa e nem mesmo seus aspectos místicos. Depende muito do olhar sobre o evento, buscando realmente as intenções de seus fundadores. A cultura que se desencadeia a partir da manifestação é muito maior que a própria cidade: é pensar o mundo de outra forma.

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