A FESTA DAS VELAS VOTIVAS EM BAGÉ - IV

Cláudio Antunes Boucinha [Licenciado em História (UFSM). Mestre em História do Brasil (PUCRS)]


A Festa do Divino Espírito Santo


Apenas como hipótese,  do ponto de vista local, fez parte como um dos antecedentes que prepararam os fundamentos espirituais  da festa das velas votivas em Bagé, a festa do Divino Espírito Santo, uma tradição em Bagé:

“O culto do Divino Espírito Santo que os flamengos trouxeram quado foram povoar as Ilhas dos Açores e de lá, depois, incorporado aos hábitos açoritas, veio transmitindo para o Rio Grande, como festa máxima  do tempo da Colônia, da Monarquia e até as três primeiras décadas  da República” (LAYTANO, 1984, p. 169). [ Laytano, Dante de. Folclore do Rio Grande do Sul: levantamento dos costumes e tradições gaúchas. Caxias do Sul, EDUCS; Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Martins Livreiro Editor, 1984. 350 p. – Coleção Temas Gaúchos, 30].
Ao que parece, existiria uma outra versão para a presença fundamental da festa do Divino Espírito Santo nos Açores, indiscutivelmente uma representação segura da cultura açoriana em geral, e não seria necessariamente a presença dos flamengos o nexo causal de toda essa herança. Essa versão não seria tão palatável quanto a versão dos flamengos, visto que invoca uma tradição um tanto avessa as hierarquias religiosas e mais propensas a criatividade e individualidade dos crentes.


A ORIGEM DA FESTA. O culto do Espírito Santo, de acordo com o historiador português Moisés do Espírito Santo, tem origem na Antigüidade. Entre os israelitas, a Festa de Pentecostes era celebrada cinqüenta dias (sete semanas) depois da Páscoa, sendo uma das quatro festas importantes do calendário judaico: Páscoa, Omar, Pentecostes e Colheitas. Ela era conhecida, ainda, com nomes diferentes: das Ceifas, das Semanas, do Dom da Lei, e outros, tendo sido, primitivamente, uma festa agrária dos cananeus (Rodrigues Filho, 1990). Entre os hebreus, o termo shabüoth faz referência à festa que começa cinqüenta dias depois da Páscoa e marca o fim da colheita do trigo. “A Festa do Divino é um eco das remotas festividades das colheitas” (Etzel, 1995). Já o culto ao Espírito Santo, sob a forma de festividade, no sentido que iria adquirir mais tarde, se cristaliza no início da Baixa Idade Média, na Itália, com um contemporâneo de São Francisco de Assis, o abade Joachim de Fiori (morto em 1202), que ensinava que a última fase da história seria a do Espírito Santo. Suas idéias chegaram a Alemanha e espalharam-se pela Europa. Em Portugal, no séc. XIV, a festa do Divino já se encontrava incorporada à Igreja, como festividade religiosa. A responsável por essa institucionalização da festa em solo português foi a rainha D. Isabel, esposa do Rei D. Diniz (1.279 – 1.325), canonizada como Santa Isabel de Portugal, que mandou construir a Igreja do Espírito Santo, em Alenquer (Campos, 1996). Em solo português, ela seria fortemente marcada por influências de tradições judaicas, muitas das quais chegaram até nós. Com o início da colonização, ela foi introduzida no Brasil, provavelmente desde o século XVII. A figura do Imperador do Divino – criança ou adulto – era o escolhido para presidir a festa. Aqui ela sempre foi uma festa de caráter popular, não figurando entre as quatro festas oficiais celebradas por ordem da Coroa, no período colonial. Mas seu prestígio no início do século XIX era tanto, que em 1822, segundo Luís da Câmara Cascudo, o ministro José Bonifácio escolheu para Pedro I o título de Imperador, em vez de Rei, porque era muito grande a popularidade do Imperador do Divino (Frota, 1984). Em certas cidades ou vilas do interior, o Imperador do Divino, com sua corte solene, dava audiência no Império, com as reverências privativas de um soberano (Campos, 1989)”. http://www.festadodivino.org.br/?page_id=1719

Como tantas outras festas religiosas, os vínculos com antigos rituais de origem pagã é insofismável.


O joaquinismo e o culto do Divino Espírito Santo nos Açores

Seguramente por influência dos franciscanos espiritualistas, que foram os primeiros religiosos a instalar-se nas ilhas, partilhando com os primeiros povoadores as agruras da colonização, o culto do Divino Espírito Santo, então em apagamento na Europa devido à crescente pressão da ortodoxia religiosa, foi trazido para as ilhas. (...) Admitindo tal facto, não resta senão a presença franciscana como explicação para a propagação do culto e como veículo de introdução das doutrinas joaquimitas. (...) A partir daí, e particularmente após o início do século XVIII, o culto do Divino Espírito Santo assume-se como um dos traços centrais da açorianidade, sendo o verdadeiro traço cultural unificador das populações das diversas ilhas. (...) No que respeita às crenças, que estão por detrás da organização acima descrita, elas entroncam directamente no joaquimismo. São elas:
  • A esperança
  • A fé no Divino e nos seus sete dons
  • O igualitarismo — todos os irmãos são iguais e todos podem ser mordomos, e todos podem ser coroados assumindo a função de imperador, merecendo igual respeito e obediência quando investidos dessa autoridade. É a expressão prática do igualitarismo joaquimita.
  • A solidariedade e a caridade — na distribuição do bodo e das pensões, devem ser privilegiados os mais pobres para que todos possam igualmente festejar o Divino Espírito Santo. Todas as ofensas devem ser perdoadas para se ser digno de receber o Divino Espírito Santo.
  • A autonomia face à Igreja — o culto do Divino Espírito Santo não depende da organização formal da igreja nem necessita da participação formal do clero. Não existem intermediários entre os devotos e o Divino. É clara a influência do pensamento joaquimita, preferindo a igreja mística à igreja formal”. http://pt.wikipedia.org/wiki/Irmandades_do_Divino_Esp%C3%ADrito_Santo

Apesar disso, o joaquimismo, menos radicalizado e mais místico, foi retomado pela corrente espiritualista e contemplativa dos franciscanos, principalmente por Pier Giovanni Olivi (falecido em 1297) e pelo seu seguidor, Ubertino da Casale, expulso da ordem em 1317. Aparecem novamente referências joaquimitas nos escritos de Giovanni dalle Celle e de Telésforo de Cosenza, mas com impacto muito reduzido na ortodoxia católica. (...) Seguramente por influência dos franciscanos espiritualistas, que foram os primeiros religiosos a instalar-se nas ilhas, partilhando com os primeiros povoadores as agruras do isolamento, o culto do Divino Espírito Santo, então em apagamento na Europa devido à crescente pressão da ortodoxia religiosa, foi trazido para as ilhas. Aqui, em comunidades isoladas e sujeitas às pressões e incertezas da vida na margem do mundo conhecido, as crenças e ritos do Divino Espírito Santo ganharam raízes e recuperaram o seu vigor, reganhando um claro cunho joaquimita que ainda hoje está bem patente”.http://pt.wikipedia.org/wiki/Joaquim_de_Fiore

No Brasil, a festa do Divino Espírito Santo é relatada desde os tempos das Capitanias:

“Também às tradicionais e antiquíssimas festas do Divino Espírito Santo, em Olivença, concorria muita gente de Ilhéus que para ali ia em ruidosa folgança”. [ CRÔNICA e não HISTÓRIA de Ilhéus. Atente bem o leitor nesta advertência, para desculpar-me as minúcias, aparente insignificância e iteração dos assuntos tratados. Este livro não pretende ser mais que um acervo de material para o vindouro historiador da velha Capitania com que “o gotoso e soros D. João III”, presenteou o escrivão da sua real fazenda, Jorge de Figueiredo Correia, gleba que se inscreve hoje no rol das mais futurosas, adiantadas e ricas de nossa terra. Dr. João da Silva Campos. p. 383. http://www.pratigi.org/portal/index.php . www.pratigi.org/portal/index.php?option=com...task... ].


A festa do Divino Espírito Santo, com seus cantos sacros, com sua devoção em maio, era também inédita na região de Bagé:

Podemos afirmar, sem receio  de sermos taxados de lisonja, que poucas festas como esta tem se realizado em outras cidades do Estado, mesmo nas principais, motivo pelo qual felicitamos o digno festeiro Sr. João Maria Peixoto, a quem se deve inegavelmente o brilhante êxito alcançado pela festa do Divino, este ano, em Bagé”. [ O DEVER,  Ano III, nº 734. Bagé, terça-feira, 24 de maio de 1904]. [O Mordomo — Para cada celebração os irmãos escolhem um irmão responsável que recebe a designação de mordomo. A escolha é normalmente feita pela retirada de pelouros, bilhetes em papel onde é inscrito um nome, enrolados e colocados num saco ou chapéu, de onde são retirados por uma criança. A maioria das irmandades admite a existência de mordomos voluntário, que se oferecem a realizar a festa em resultado do cumprimento de promessa feita para recebimento de uma especial graça do Divino Espírito Santo. Ao mordomo cabe coordenar a recolha de fundos para a festa e coordenar a sua realização, sendo para tal efeito considerado a autoridade suprema a que todos os irmãos estão obrigados a estrita obediência]. http://pt.wikipedia.org/wiki/Irmandades_do_Divino_Esp%C3%ADrito_Santo

O relato a seguir é do ano de 1849, em Bagé, sobre a festa do Divino:

“Preocupava-se o povo com as festas do Divino (...)”. Dois documentos autênticos, de nosso arquivo particular: O primeiro é assinado por Domingos José Gonçalves, o Porta Estandarte, o herói de 1801 que tomou o Forte de Santa Tecla; é dirigido a Antonio Jacintho Pereira, seu companheiro de lutas, ambos foram dos primeiros a receber SESMARIAS naquela época, como recompensa a seus inestimáveis serviços; (...)”[ SALIS, Eurico Jacinto. História de Bagé: Porto Alegre, Globo, 1955, p. ].

S. Caza Dzbrº 22 de 49.

Estimado Sr. remeto sua carrada de lenha que ofereço de esmola ao Divino Esprtº Santo p.ª sua festa, e não vai o frango q o procurador me incumbiu cobrar porq qm. o tinha de dar diz não tem agora. Nada digo a V. Sª. de q lhe devo só e sim que não estou esquecido e nunca me esquecerei; tenho faltado contra m.ª vontade no q possa hei de pagar, e direi o motivo.

Sou com estima... De V. S.ª
Atento Criado
Domingos Je. Glz’[ Gonçalves, Domingos José.  Citado por : SALIS, Eurico Jacinto. História de Bagé: Porto Alegre, Globo, 1955, p.]. [ A esmola ou pensão — é constituída por uma porção de carne de vaca (de gado especialmente abatido para o efeito), por um pão de cabeça (ou pão do bodo), e por vinho de cheiro. É distribuída aos irmãos que as pretenderem e às famílias mais necessitadas].http://pt.wikipedia.org/wiki/Irmandades_do_Divino_Esp%C3%ADrito_Santo




As cavalhadas


“As cavalhadas, costume ibérico com fortes raízes no folclore rio-grandense, tiveram no "Club Gaúcho" o seu grande incentivador. (...) A sua realização está ligada à Festa do Divino Espírito Santo, que tem origem na tradição portuguesa e leva em conta o calendário da Igreja Católica. Segundo a liturgia religiosa, é o dia de Pentecostes, exatamente 50 dias após a Páscoa. http://santoangeloemfatosefotos.blogspot.com.br/2010/10/as-cavalhadas.html

EM 1900? SALIS, Eurico Jacinto. História de Bagé. Porto Alegre: Globo, 1955.fotógrafo italiano José Greco, que chegou a Bagé às vésperas da Proclamação da República?



EM 1900? SALIS, Eurico Jacinto. História de Bagé. Porto Alegre: Globo, 1955.fotógrafo italiano José Greco, que chegou a Bagé às vésperas da Proclamação da República?


EM 1900? SALIS, Eurico Jacinto. História de Bagé. Porto Alegre: Globo, 1955.fotógrafo italiano José Greco, que chegou a Bagé às vésperas da Proclamação da República?


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Pela General Osório, em frente ao Teatro.

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